Setembro 15 2007

João Valente

João Rodrigues Valente nasceu em Ansião, no 18 de Novembro de 1924, aqui viveu ao longo de 60 anos, tendo falecido nesta vila, no dia 27 de Agosto de 1985. Durante décadas a fio exerceu a actividade comercial no Café Valente (já herdado dos seus ancestrais), bem conhecido na Vila, que até há pouco mais de um mês, manteve o mesmo aspecto do seu tempo. Esse estabelecimento foi sempre um ponto de referência da elite local, e aí ocorreram jantares muito importantes para a vida política ansianense, ao longo de todo o século XX. Também aí se realizavam concorridas tertúlias culturais, em que ele participava até altas horas da madrugada. Actualmente, pertence e é explorado pelo seu filho João. Durante muitos anos foi o grande baluarte do Jornal "Serras de Ansião", como seu Chefe de Redacção. Mas, a sua "veia" era mesmo a poesia! Alguns dos seus poemas foram publicados nas páginas do "Serras", e em 1987, deram corpo ao livro póstumo "Isto, Aquilo e o Resto".

            João Rodrigues Valente está indelevelmente ligado, por uma vida inteira, ao antigo Hotel Valente no Fundo da Rua. Quem conhece Ansião, ainda que de passagem (claro, antes da existência do IC8), sabe qual é o edifício a que me refiro. Tem quase tanta história como a vila a que pertence, e nos acontecimentos mais notáveis do século XIX e primeira metade do século XX, serviu-lhe de palco, senão na congeminação, pelo menos no momento dos brindes.

            João Valente foi, ao longo de muitos anos, o seu simpático anfitrião!

            Café, restaurante, venda de jornais, venda de bilhetes para os transportes públicos, etc., etc., o “Café Valente” foi também a redacção do jornal “Serras de Ansião”, já que João Valente foi o seu persistente chefe de redacção ao longo dos seus primeiros dez anos de existência. Prosa e poesia de sua autoria enriqueceu sempre este periódico ansianense.

A 1.ª série do “Serras de Ansião” teve em João Valente o principal baluarte

            Este jornal publicou-se, a primeira vez, no dia 31 de Outubro de 1965, com o objectivo de contribuir para a valorização integral do homem e desenvolvimen­to económico da região, tema que era muito caro ao seu primeiro Director, Dr. Vítor Faveiro.

            As responsabilidades pelo Serras de Ansião, que saía a público de quinze em quinze dias, foram compartilhadas com outros ilustres ansianenses: Dr. Fernando Travassos, Director Adjunto; César Nogueira, Administrador; e Júlio da Silva Rodrigues, como Editor e Proprietário.

            E é este último, agora Director do Jornal, que no seu recente livro “Quem quiser passar seguro” conta a história do aparecimento do “Serras de Ansião”:

«Nas muitas conversas que tinha com o César Nogueira, arrefecidas depois do 25/4, falou-me na ideia de fundar um jornal, até porque o João Valente tinha tido um enfarte e pensava-se que o impediria de exercer a sua profissão – de 50 anos ao serviço do alcool, como por graça, dizia o João -  e assim surgiu o “Serras de Ansião” em 31 de Outubro de 1965.

(…) O Dr. Vítor Faveiro aceitou o cargo de Director, o Dr. Fernando Travassos, como sub-Director, o César Nogueira, como Administrador, o João Valente, como Chefe da Redacção e Júlio Rodrigues como Editor e Proprietário, portanto industrial de jornalismo, sem nunca ter tirado um tostão de lucros, pelo contrário.

 O prestígio dos directores Drs. Faveiro e Travassos, os seus interesses no desenvolvimento regional, criaram um clima de franco interesse e desenvolveram um saudável bairrismo, que ainda hoje se nota com as dezenas de firmas com o nome de Ansião e as suas Serras, que num apressado apontamento e que me desculpem as omissões:

Primeiro foi o Jornal Serras de Ansião, que deu Serras de Ansião, Notícias e Publicidade, seguiram-se os Transportes Serras de Ansião, Ansidecor, Ansidente, Ansidil, Ansiger, Ansimetal, Ansimoda, Ansiovo, Ansiart, Ansicarnes, Ansicentro, Escola de Condução Auto-Ansião, ACIA, Adega Típica de Ansião, Adilcan, Associação Florestal de Ansião, Auto-Ansianense, Caixa de Crédito Agrícola de Ansião, Intercer-Cerâmicas de Ansião, Pastelaria Ansianense, Paraansião, Pizaria Ansião, Salão Musical de Ansião, Madelansião, Táxis Ansianense, etc.

(…) Chegou a ser colaborador do jornal, a meu pedido o Dr. António Arnaut, que escreveu um artigo sobre a Democracia e outro sobre o Estado Social.

E tinha outros anunciados, quando um amigo me avisou que a Pide estava de olho nele e no jornal. Como proprietário e editor tive que lhe agradecer a colaboração, de que muito gostei, mas que tinha que suspender a sua preciosa colaboração.

Em 1972, Marcelo Caetano convida toda a Imprensa Regional a visitar a então Província Ultramarina de Angola.

Ofereci em primeiro lugar ao Director que não aceitou, ao João Valente e ao César. Como nenhum aceitou fui eu e aí me iniciei como repórter e graças ao aviso de um amigo, não me comprometi com os escritos. Pelo contrário, até desafiei a censura ao elogiar a clarividência de Norton de Matos, ao criar Nova Lisboa para capital de Portugal e citei a frase que rodeava essa estátua.” Se te disserem que Portugal é um País pequeno, não o aceites” (a ideia é esta, não sei se o são, as palavras) (…).» 

            O Serras de Ansião teve a sede da Redacção e Administração na Vila de Ansião, e o seu telefone era o nº 3. O seu preço avulso era 2$00, a assinatura anual custava no Continente 40$00, e no Ultramar e Estrangeiro 60$00. Era composto e impresso na Gráfica de Leiria. O primeiro e segundo números foram editados com 6 páginas, mas nos restantes números, o mais habitual era sair com 4 páginas.

            A partir do nº 174, de 15.9.1973, a ficha técnica sofreu algumas alterações, come­çando logo pelo seu Director e Director Adjunto (o Dr. Vítor Faveiro e o Dr. Fernando Travassos, respectivamente, foram impedidos de continuarem a exercer estes cargos em virtude da nova Lei da Imprensa). Assim, assumiu o cargo de Director, Editor e Proprietário o Sr. Júlio da Silva Rodrigues; deixou de haver Director Adjunto, e os restan­tes cargos mantiveram-se com as mesmas pessoas. O Serras de Ansião passou, então, a ter uma Delegação em Lisboa, na Rua Marquesa de Alorna, 36 - D.

            O jornal, de que saíram à volta de 200 números, tornou-se hoje um precioso docu­mento de investigação, na medida em que faz o acompanhamento das decisões camarárias, dos melhoramentos que o concelho conheceu ao longo destes 10 anos, das actividades e iniciativas das várias Colectividades existentes, das personalidades ansianenses que mais se destacaram; enfim, acompanha, a par e passo, a vida do concelho e das suas gentes.

       As tertúlias do Café Valente tinham no seu proprietário um dos principais animadores, e davam azo à sua inspiração poética. Dela saíram versos que qualquer um podia declamar com orgulho, e outros, um tanto indecorosos, mais à moda da pena de Bocage, como um que conheci, transmitido por alguém que conhece bem Ansião e este café, mas não é de cá. Refere ele que João Valente, nosso poeta popular, explicou com um belo soneto, que aqui não posso transcrever, uma original forma de explicar o nome de Ansião.  

           

 O Café Valente e a “Varanda da Europa”

            Este mesmo interlocutor, mostrando conhecer bem o Café Valente, explicou-me o que para ele e os amigos ansianenses era a “VARANDA DA EUROPA”:

            «Por acaso, sobretudo à conta do futebol em que andei envolvido por aí, eu criei um grupo de amigos de Ansião, que – graças a Deus ainda hoje preservo – eram, por exemplo, o Fernando Freire, o Fernando Escadote, o Saul, o Luis Alfredo, o João Batista (João Gaspar) e mais uns tantos e encontrávamo-nos muito nesse Café, que tinha uma janela enorme que dava para o lado da estrada Pombal-Ansião e permitia uma visibilidade até longe. Por essa altura havia um programa de televisão ou uma frase qualquer que era “Varanda da Europa”, tenho impressão que era de um jornalista português que estava em Espanha (V. Lourinho?). Na mesa mais próxima dessa janela havia alguns de nós que estudavam, como se estudava em Coimbra nos cafés, e havia até alguns que, por andarem em Coimbra, se achavam uma “raça" culturalmente superior, de tal forma que quando andavam por Ansião, aquela mesa era intocável, era o Centro Cultural da vila, era a “Varanda da Europa". Se calhar só para nós, mas pelo menos para nós».

            Outro colega e amigo, este de Coimbra, tendo conhecimento da veia e significado poético de algumas das composições de João Valente, saiu-se com esta, com que concordamos em pleno:

 

«Esse poeta de Ansião
Cujo nome era Valente
Começa por João
Como aliás muita gente!
Língua afiada e viperina
Dava bordoada a direito
Volta cá João Valente
Que nos davas muito jeito!»

 

            Nesta “tertúlia internauta” em que, com alguns amigos, lembrámos o poeta João Valente, informei que um dos seus poemas, escrito já em 1956, tinha uma tal força “revolucionária” que deu letra a um fado que passa algumas vezes na rádio, nos programas de fado e que aqui se transcreve:

 

«PENSAMENTO LIVRE

Que importa que me prendam

E me algemem as pernas

E os braços?

Que importa que me metam em cavernas

E me tratem como farrapos

Velhos?

Mesmo assim, algemado,

Acorrentado,

Com a carne a sangrar,

O pensamento há-de ser livre

E hei-de pensar

E arquitectar

O que quiser,

Pois não há cadeia

Nem corrente

Que evite que se pense livremente».

 

 

Apenas a título de exemplo dos muitos sonetos com características semelhantes, deixo aquele com que o poeta ansianense versejou o aparecimento dos minúsculos "fatos de banho":


«Fatos de banho acabam de aparecer
Que causaram profunda impressão
Um pouco escandalosos, é de crer,
pois só têm alças e o calção.


Francamente não posso compreender
A causa de tão grande revolução,
Pois o que é bom é para se ver
E quanto a isto não há discussão.


Mas ver nas praias tomar banho as "brasas"
Como quem toma banho em nossas casas,
Deve ser, julgo eu, bastante atraente;


Abaixo o biquini, abaixo os calções, até as calças,
Abaixo, afirmo aqui, até as alças,
Que a vida é curta e Deus perdoa à gente!»

 

            João Rodrigues Valente também foi um amigo dos Bombeiros Voluntários de Ansião, cujos Corpos Gerentes serviu ao longo de oito anos: 1.º como Secretário/Relator do Conselho Fiscal (1969 e 1970) e, já depois do “25 de Abril”, como Vice-Presidente da Assembleia-geral (de 1975 a 1980).

O seu desaparecimento físico

            O nosso poeta, no início de mais uma composição sua, escrevia assim, em 1957:   «Um dia, / Não sei como nem quando, / Hei-de morrer.»

            João Valente duraria mais 28 anos, mesmo assim, o seu desaparecimento físico ocorreu demasiado cedo, tinha apenas 60 anos. Na altura, o único jornal existente no concelho era o Horizonte, que na sua edição de 1 de Setembro de 1985, pela pena de ASC, o recordou assim:

            «(…) Outro desaparecido do nosso convívio foi o nosso amigo João Valente.

            Quem haverá no concelho de Ansião que não conhece o João Valente!

            Com o seu modo afável e comunicativo depressa cativava a simpatia de quem com ele privasse. O Café Valente era de há muito ponto de reunião e encontro de um determinado tipo de clientela, clientela que, grosso modo, pode definir-se como tendo em comum mais que um estatuto social, uma identificação cultural e cujo elemento aglutinador era sem dúvida o seu proprietário.

            Pessoa de trato singular, dotado de uma personalidade romântica, como quase todos os poetas. Dele se pode dizer, que não fora o meio em que viveu e talvez o seu nome já hoje corresse ao lado de outras figuras notáveis da poesia portuguesa. Também esteve ligado ao jornalismo a ele se devendo em grande parte a publicação do já extinto jornal “Serras de Ansião”. Esta actividade jornalística e assaz às críticas que normalmente se fazem a estes órgãos de informação regional levou-o a desabafar num poema cujo título é: PRESO POR TER CÃO…, e que se transcreve como preito ao poeta agora desaparecido.

 

PRESO POR TER CÃO…

 

Se calha no jornal a criticar,

Qualquer coisa que achamos estar errada,

Começam todos a barafustar

Que temos uma língua depravada.

 

Se, pelo contrário, temos de louvar,

Uma obra qualquer que nos agrada,

É fatal ouvi-los logo afirmar

Que estamos, pela certa a dar pomada.

 

Se falamos de enterros e noivados,

De nascimentos ou de baptizados,

Dizem que estamos a tecer louvores;

 

Ora bolas! Não somos afinal

Nem tão cretinos p'ra dizer só mal

Nem tão torpes p'ra ser aduladores»

 

O seu livro “Isto, Aquilo e o Resto”

Dois anos após a sua morte, foi editado, a título póstumo, o seu livro de poesia “Isto, Aquilo e o Resto”. A mensagem inicial ao leitor e o título são do próprio autor.

A mensagem inicial é a seguinte:

            «Leitor amigo: / O livro que aí vai é, decididamente, uma obra modesta.

            Não mira ele triunfos, é bem de ver. São simples as suas composições, e o seu autor não poderia ambicionar uma coroa de louros.

            Ao coligir estes versos, que aqui deixo à tua libérrima crítica, quis apenas recordar esses formosos tempos da mocidade.

            E porque esses tempos me trouxeram saudades bem intensas, e, “a saudade é um fumo suave de um fogo que se apagou”, eu os amo muito e aqui os deixo coligidos tais quais são, simples mas sinceros.

            Além da sinceridade, nada mais te posso oferecer, leitor amigo, pois bem compreendes que não se sabe nem se pretende fazer literatura. O AUTOR».

Quanto ao título deixamos a sua explicação para o amigo Dr. Manuel Simões, que escreve o texto introdutório que, de seguida, se reproduz, pelo interesse literário do mesmo e porque é um testemunho de um grande amigo do poeta ansianense que hoje biografamos.

            «Andei com o João Valente, durante algum tempo, na velha escola primária de Ansião cujo edifício se mantém de pé, junto à Guarda Nacional Republicana, então ainda ausente da vila. E, curiosamente, a primeira recordação que dele conservo liga-se com um acto de justiça.

            Nesse tempo, como aliás durante toda a sua vida, sabíamos que o João era conhecidamente de boa índole e convivência, avesso por natureza e turbulências e conflitos. Mas nesse dia vimo-lo transfigurado, a defender fogosamente, com todas as forças – que, diga-se, eram bem poucas – o seu irmão Virgílio de não sei que malfeitorias de um matulão mais velho.

            Decorridos bastantes anos, encontrámo-nos de novo e, a seu pedido, colaborei no “Serras de Ansião” com “Coisas e Loisas”, título correspondente às crónicas de informação e desenfado.

            Como chefe de redacção competia-lhe fabricar o jornal, suprindo os descuidos de algum colaborador mais remisso. Fazia-o, como ele se me queixava amigavelmente, entrando pelo merecido descanso.

            Entretanto, os leitores de perto e de longe acostumaram-se a admirar em prosa e verso o seu estilo inconfundível, cuja característica mais louvada era seguir o preceito do velho Horácio, ao castigar os costumes com a graça e o riso.

            O proprietário do periódico, Júlio da Silva Rodrigues, a cuja amizade delicada se deve a iniciativa de editar este livro, dá-nos em poucas palavras o fiel retrato do João: «com fino humor, cortês, afável, sempre com uma graça oportuna e bem disposta».

            Estas mesmas qualidades naturais transparecem nos versos agora reunidos em volume. O título e as palavras ao “leitor amigo” são do autor que nunca chegou a ver cumprido o sonho de dar à luz pública editorial a sua obra.

            A minha tarefa limitou-se a seleccionar os poemas, limar algumas arestas métricas de pouca importância, normalizar a ortografia, acrescentar meia dúzia de títulos e ordenar o conjunto.

            Curiosamente o título sugere as grandes divisões temáticas: ISTO – poesia lírica inspirada sobretudo pela natureza, bem como pelos amigos e familiares, AQUILO – registo satírico de alguns desconcertos do mundo circunstancial, E O RESTO – apanhado de referências familiares a todos os ansianenses, como o lírico Nabão, a original feira dos pinhões, marchas, ranchos e cortejos festivos.

            Tenho a certeza que o livrinho vai ser um breviário de saudades para os muitos amigos e admiradores do João. Tratando-se de um autodidacta que não passou do exame da quarta classe, esta recolha é ainda um testemunho eloquente do que pode o talento e a aplicação constante à leitura de bons autores.

            Finalmente se estas páginas constituem merecida homenagem ao real talento do poeta, poderão ser excelente ocasião de que a juventude da nossa terra tome daqui incentivo para ir mais longe.

            Bem haja a Câmara Municipal de Ansião por ter compreendido o alcance desta iniciativa e ter assegurado ampla difusão a um trabalho cultural modesto, nascido da admiração e da amizade.

            Somos em Ansião tradicionalmente cultivadores da terra. João Valente soube cultivar o seu espírito e vai agora por certo cultivar os nossos. Saibamos ler carinhosamente o seu livro póstumo, recordando o autor com saudade agradecida. Manuel Simões»

            Recordando João Valente…

O seu jornal “Serras de Ansião”, já “ressuscitado”, lembrou-o, em curto apontamento da autoria de AC, na edição de 15 de Janeiro de 1997, donde transcrevemos o seguinte excerto:

«Se há pessoas que marcam de forma indelével quem com elas conviveu, João Valente foi sem dúvida uma delas.

Dotado de uma personalidade culta e de um espírito cívico exemplar, atraía ao seu convívio gente de todas as classes sociais.

O “Café-Restaurante Valente” situado no Fundo da Rua, em Ansião, era o ponto de referência da elite da terra, e local escolhido para algumas tertúlias culturais, nas quais se integrava como interlocutor válido, o seu proprietário João Valente. Essas cavaqueiras intelectuais prolongavam-se por vezes até altas horas da madrugada, sempre no agrado de todos.

Autodidacta confesso, possuidor no mais alto grau de um requintado temperamento romântico, tinha na poesia o seu hoby preferido. Exercitando esse lirismo em poemas de conteúdo diverso, fruto de uma saudável imaginação criadora.

O seu pendor para as artes literárias levou-o a colaborar, desde o início, com o jornal “Serras de Ansião”, desempenhando aí o cargo de Chefe de Redacção, mas sendo na verdade a alma mater deste periódico (na primeira edição, até 1975) (…)».

Algum tempo depois, sob o título “João Valente – Doze Anos de Saudade” Rogério Pacheco publica no “Serras de Ansião” o seguinte apontamento:

«Em 27 de Agosto de 1985 faleceu João Rodrigues Valente. Só muito tarde tive conhecimento do triste acontecimento. Não tenho vergonha em dizer que chorei a sua morte.

O João, como familiarmente lhe chamávamos, era um ser superior. Amigo do seu amigo, possuidor duma ironia mordaz, tinha um tal sentido de humor cujas setas feriam mas, dada a sua bondade, ficavam entre a carne e a pele não sangrando.

Apesar de todas estas qualidades João Valente não foi fadado para a profissão de comerciante que exercia. Pessoa vertical, firme nas suas convicções, contrastando com o comum dos comerciantes cujo gosto de agradar os faz reprimir muitas vezes os seus verdadeiros sentimentos. A sua maneira de ser, a sua verticalidade, trouxe-lhe muitos dissabores, dissabores esses que ele recebia com um filosófico sorriso.

Poeta muito dotado, possuidor duma sensibilidade aguda não fugia à regra de ser algumas vezes alcunhado de maluco, como em geral todos os poetas.

Por vir a propósito vou contar o seguinte episódio. Nos anos 60 o Jorge de Almeida Monteiro, escultor inspirado, convidou-me a passar com ele um fim de semana na casa de praia que possuía na Nazaré. Um dia, enquanto almoçámos, falei do João Valente e disse que ele era poeta. O Jorge exclamou: - Se ele é poeta é maluco!

De regresso a Ansião contei ao João o que o Jorge Monteiro tinha dito a seu respeito. Acto continuo o João manda-lhe o seguinte soneto:


Oh tu, escultor de trampa que me alcunhaste
A mim, excelso poeta de maluco
Não fazes ideia meu grande bruto
Quanto as letras pátrias molestaste.


Escultura é volume e faz-se à pancada
Dando-se à pedra a forma que se deseja
E embora fique obra que se veja
Não deixa de ser feita à martelada.


Como queres tu meu lorpa comparar
O músculo com o cérebro e criticar
Um homem superior dum rotineiro.


Apreciar os génios e os poetas
Que vivem mais alto, noutros planetas
Não está ao nível de qualquer canteiro

(…)».

publicado por ansiaonews às 10:24

A História Ilustre de Ansião pelo Dr. Manuel Augusto Dias
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